Os efeitos das alterações climáticas na agricultura, em especial na vinha, é o tema abordado neste artigo de opinião pela jurista Sandra Clemente
Sei que é difícil acreditar, depois da noite eleitoral nas televisões, mas há vida para além de Lisboa. Eu, por exemplo, cresci na região do vinho verde, a única no mundo onde se produz vinho verde (assim como o champanhe é o vinho de Champagne, que também não é Lisboa) e uma das maiores regiões demarcadas da Europa. Estamos na “temporada” das vindimas, uma das mais tradicionais do velho continente. Quando era criança, as vindimas, em que tinha como tarefa apanhar bagos do chão supervisionada pelo meu avô, eram em outubro. Hoje, por causa do aumento das temperaturas, a meio de agosto as uvas já estão maturadas para serem vindimadas.
Na Sicília, por causa das temperaturas tropicais, a vinha subiu no terreno e está a ser substituída por plantações de abacates. Siracusa registou, este agosto, a temperatura mais alta de sempre na Europa: 48,8ºC. Mês em que no Vale do Ahr, na Alemanha, as cheias arrasaram a vinha, adegas e a indústria vinícola centenária da região. Por causa dos gelos da primavera, em abril, o governo francês declarou que a França atravessava a pior catástrofe agrícola do início do séc. XXI. Já o calor pode fazer com que o Bordeaux tenha de ser produzido fora de Bordéus. Pode mais, até. Pode pôr em risco as denominações de origem controlada. Na Califórnia, por causa das secas bíblicas e dos fogos selvagens, os vinhos têm travo a cinza. E, enquanto Evia ardia dantescamente, o relatório do IPCC sobre alterações climáticas previu que, no melhor cenário, aquele em que cortamos profundamente a emissão de gases com efeitos de estufa, daqui a 20 anos o mundo estará mais quente 1.5º C que na era pré industrial. As vagas de frio e calor e as chuvas diluvianas serão frequentes. Depois do anterior relatório de 2013, tudo acelerou. Tenho 46 anos, estou a meio da minha vida ou, se os bilionários de Silicon Valley forem bem sucedidos no seu investimento na imortalidade, no início. Sinto a ansiedade de Cromwell depois da decapitação da Ana Bolena: ainda era maio e já tinham morrido duas rainhas de Inglaterra.
Se até 2050 a temperatura aumentar 2º C – a manter-se o atual ritmo de emissões de gases com efeito de estufa, a temperatura global subirá 2,7°C em 2100, IPCC dixit – desaparecerão 56% dos terrenos vinícolas em todo o […]