Da mesma forma que a mecanização mudou a Agricultura, estamos a entrar numa nova fase de transformação acelerada, desta vez impulsionada pela Inteligência Artificial (IA).
De facto, gestão de dados, recolha e interpretação de imagens de culturas, drones inteligentes, previsões metereológicas e apoio à Agricultura de Precisão são exemplos de ferramentas de suporte que com a IA terão uma contribuição acrescida para o aumento da produtividade, mas uma outra área existe onde a introdução da IA poderá ter repercussões consideráveis: a mecanização, quer nas tarefas de preparação dos solos, sementeiras, monitorização e tratamento das culturas e nas colheitas.
No entanto, se por exemplo a utilização de ciência de dados suportada por IA é algo que depende da capacidade de recolha desses dados, do seu tratamento e da interpretação, a utilização de máquinas agrícolas autónomas tem implicações que requerem um outro nível de pré-condições.
De facto, muito à semelhança de carros autónomos, para existirem tratores agrícolas autónomos tem de existir um ecossistema digital a suportá-los, caso contrário nem vale a pena pensar em tais investimentos.
Em concreto, um trator agrícola pode andar na via pública (tem matrícula), o que significa que vai ter de haver um quadro legislativo que permita a existência de tratores sem condutor. Por outro lado, os seguros não prevêm a inexistência de operador, pelo que vão ter de se adequar a uma realidade nova, onde o risco vai ter de estar numa outra entidade, muito provavelmente na própria empresa agrícola. Naturalmente, tais tratores terão de ser conectados, pelo que terá de haver plena disponibilidade de rede.
Desta forma, o cumprimento destas pré-condições, e de muitas outras mais, como protocolos de segurança e de cibersegurança, hardware (sensores 360º / Lidar, camaras, radar, GPS) e software com AI, server com capacidade, acesso a uma cloud, capacidade oficinal dedicada (os sensores são ultradelicados), é essencial para que as máquinas autónomas possam operar.
A operação dessas máquinas terá por base um mapeamento preciso do local onde vão operar, e a experiência, quer em simulação quer na acumulação de dados reais, desempenhando então a IA um papel fundamental, pois tais máquinas tomarão decisões com base no que lhes for solicitado e não bloquearão nos imprevistos que encontrarem. É importante frisar que a IA se baseia em probabilidades e estatística, as máquinas não vão ficar com a inteligência própria de um ser humano, pois não têm consciência de si mesmas, ao invés de uma pessoa.
Relativamente às decisões, um trator poderá lavrar porque assim foi programado, mas se de repente cair uma bátega de água e a lavoura se tornar ineficaz, cairá numa situação que em simulação já terá acontecido, estando tal experiência gravada, e nessa situação a decisão poderá ser a de interromper a operação por ali e voltar ao centro de lavoura. Na vez seguinte, a decisão será suportada quer pela experiência simulada quer pela real, e o trator voltará de novo à sua base.
Com um nível de complexidade acrescido, a influência de máquinas autónomas terá também um grande impacto na fase da colheita, nomeadamente em situações de mão de obra intensiva, com ganhos significativos na produtividade. Veja-se o que aconteceu com a introdução da colheita mecânica no olival superintensivo e na vinha, em comparação com o olival e vinhas tradicionais: o fator humano foi muito reduzido, com ganhos de produtividade consideráveis. Ora com a introdução de máquinas de colheita autónomas vai ser possível reduzir de novo o fator humano, mas agora também nas plantações tradicionais, essenciais para a autenticidade dos nossos produtos.
A substituição da mão de obra pouco qualificada por máquinas não vai ser fácil, mas como todas as tarefas repetitivas poderá ser desenvolvida, assim o investimento o justifique. Por exemplo, a apanha de frutos vermelhos é feita tendo em atenção a avaliação do estado dos frutos, algo que uma máquina pode fazer, e com vantagens face a um operador humano, pois basear-se-á sempre nos critérios objetivos pré-definidos, contando depois também com a experiência que for sendo acumulada. Naturalmente, os sistemas de condução terão de ser adaptados às máquinas, tal como aconteceu na mecanização da colheita do olival e da vinha.
Praticamente todas as tarefas agrícolas vão poder beneficiar da introdução da IA, que vai revolucionar a agricultura como a conhecemos hoje. Máquinas autónomas, em concreto, significarão sistemas agrícolas que funcionarão com muito menos mão-de-obra pouco qualificada, com a aposta, ao invés, na inteligência e na qualificação. Por outro lado, os investimentos, em hardware e software, e também em formação, serão avultados, em paralelo com o que aconteceu quando foi introduzida a mecanização agrícola, mas os agricultores são agentes económicos racionais, e optarão certamente pelas soluções que vão trazer sustentadamente mais benefícios à sua atividade.
António Reis Pereira
Eng. Agrónomo e Gestor de Empresas