Pese embora a vocação humanista da União Europeia (UE) e a sua influência no panorama mundial ao colocar na Agenda politico-mediática temas tão relevantes como os direitos humanos, o bem-estar animal, as denominações de origem ou indicações geográficas protegidas, ou, ainda, a luta contra as alterações climáticas, temos de constatar que, não raras vezes, tem ido longe de mais, sobretudo quando não antevê as consequências da intransigência de determinadas posições. Isso mesmo temos referido em outros artigos. Relembrando que a Europa não é uma Ilha, não deixa de ser importante, a poucos dias das eleições para o Parlamento Europeu, refletir sobre as relações transatlânticas, principalmente no contexto geopolítico em que vivemos.
Podemos ter uma visão algo distorcida, mas a perceção que existe e vai ganhando, infelizmente, alguma tração, é a de que o Ocidente está a perder influência neste mundo bipolar que se desenha. Nele, as Nações Unidas estão impotentes ou manietadas nas suas funções mais nobres de assegurar a Paz; a Organização Mundial do Comércio praticamente desapareceu da cena internacional; a Rússia assume cada vez maior influencia em África, incluindo nas antigas colónias portuguesas; e o denominado Sul global (China, Brasil, Rússia, India, África do Sul) pretende construir uma nova ordem mundial que ainda não podemos perspetivar em toda a sua dimensão, à luz das consequências dos impactos das guerras na Ucrânia e no Médio-Oriente e da crescente importância do eixo indo-pacifico face ao Atlântico e Mediterrâneo.
Apenas a certeza de que nada irá ficar como antes.
Não temos dúvidas de que, tal como aconteceu na pandemia com a Organização Mundial de Saúde, a NATO assume-se, para já, como a “grande vencedora”, o que não deixa de ser positivo se às questões da defesa acrescentarmos a sua dimensão na área da segurança alimentar, de soberania e de garantia de stocks estratégicos para que haja uma disponibilidade de alimentos que permita evitar o escalar de conflitos. E isto é importante porque não é difícil antever as consequências da fome.
Por isso, a Alimentação é hoje uma arma de arremesso nas guerras a que vamos assistindo. As guerras, naturalmente, também potenciam os fluxos migratórios e ninguém ignora hoje a sensibilidade ao tema dos imigrantes, quer nos Estados Unidos (EUA), quer na UE e a tolerância zero em alguns países que têm alimentado movimentos extremistas, populistas e radicais.
Este é um dossiê que é urgente debater com transparência e sem hipocrisias, porque precisamos de imigrantes, mas não a qualquer preço. Também não pode ser a qualquer preço o Alargamento da UE à Ucrânia e aos Balcãs, se queremos fortalecer a Europa perante novas ameaças e influências.
Todos nos lembramos da Presidência de Donald Trump, do protecionismo, das sucessivas críticas ao papel das instituições supranacionais – diga-se que nem sempre desprovidas de razão – revertendo decisões da anterior Presidência Obama, e das tensões entre os EUA e a União Europeia. Desde o início da Administração Trump assistimos a tensões com a UE, designadamente, os conflitos da aviação comercial (Airbus/Boeing) e as tarifas ao alumínio e ao aço, com as consequentes retaliações comerciais. No quadro destas disputas e litigância, foi possível “salvar” a soja, graças aos esforços diplomáticos da UE e de organizações como a FEFAC, COCERAL e FEDIOL, já o milho (e tantos outros produtos) foi sujeito a uma taxa de 25%, tornando impossíveis as importações daquele país.
É necessário relevar o papel dos acordos comerciais para a UE, porque não é apenas uma questão económica. Por detrás de um alimento, existe um sistema de produção, uma tradição, uma história, de esforço, de valores, conceitos, uma alma e identidade. Mas também nunca é demais recordar a necessidade de aplicar a mesma exigência nas regras de produção quando assinamos esses acordos.
De facto, se olharmos para os últimos dados do balanço das trocas comerciais da UE no Agroalimentar em 2023, concluímos que o excedente nunca foi tão elevado, salientando-se nas exportações o Reino Unido, Estados Unidos e China, no top 3, enquanto nas importações, o destaque vai para Brasil, Reino Unido, Ucrânia, Estados Unidos e China, (os aditivos provenientes da China são uma evidência e preocupação para a alimentação animal). Neste contexto e numa altura em que se analisam (e bem) eventuais alterações na PAC, preparando o pós-2027, discutimos a Autonomia Estratégia da União, que inclui um Plano Europeu para a Proteína. Assim sendo, convém ter em conta o papel da agricultura e do agroalimentar no futuro da Europa, assumi-lo como estratégico porque, não nos devemos cansar de repetir, nada está garantido.
Foi, aliás, nesta perspetiva, de reforçar as relações entre os EUA e a UE que, em novembro de 2021, o Comissário para a Agricultura, Janusz Wojciechowski, e o Secretário de Estado para a Agricultura dos EUA, Tom Vilsack, anunciaram a criação da Plataforma de Cooperação para a Agricultura (CPA). O CPA é um Acordo Administrativo entre a Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural da Comissão Europeia e o Departamento de Agricultura dos EUA. Este acordo tem assumido uma importância crescente em matérias como a regulação, ambiente, sustentabilidade, políticas públicas e as trocas comerciais. Têm existido reuniões anuais bilaterais, que incluem os Stakeholders e os Estados-membros. Refira-se que Portugal tem sido representado pelos serviços das Embaixadas, o que demonstra que este é um espaço de diálogo e cooperação que é levado muito a sério.
Temos tido a honra de participar nestes encontros em representação da Indústria europeia da alimentação animal e nos dias 8 (Conferência) e 9 de abril (visita de campo), estivemos em Washington, com o Presidente da FEFAC, Pedro Cordero, para intervir numa Conferência dedicada ao tema “A Resiliência da Agricultura em tempos de Incerteza” que contou com representantes da Comissão Europeia/DG AGRI e do EUA, ao mais alto nível. Enquanto o Pedro Cordero participava no painel dedicado à Sustentabilidade, falando de soluções concretas, a nós, coube-nos participar no painel sobre a resiliência na cadeia agroalimentar. Não é importante falar aqui das conclusões dos diferentes painéis porque a informação e conclusões estão disponíveis no site da CPA. O que verdadeiramente importa reter é a partilha de experiências, de conhecimentos, sendo muito mais o que nos une do que aquilo que nos separa. Temos ambos muito a aprender, em matéria de controlos, simplificação, proteção ambiental sem comprometer a produção de alimentos, política agrícola (Farm Bill e a PAC), regulação, bem como o que deve ser considerado como obrigatório ou voluntário, naturalmente apoiado por políticas públicas. São importantes as noções de que só devemos controlar o que é exequível ou mensurável e que não podemos criar demasiada regulação que conduza ao abandono de muitas empresas, tal como o facto de que é necessário tempo para a transição.
O encontro aconteceu nesta fase final do Mandato da Comissão Europeia, com eleições para o Parlamento Europeu e, do outro lado, a poucos meses das eleições presidenciais norte-americanas. Sejam quais forem os resultados de todas estas eleições, é absolutamente fundamental, no contexto em que vivemos, que esta Plataforma continue, bem como os diálogos em curso, seja na revisão da PAC, no Plano da Proteína ou na Autonomia Estratégica da UE.
Não podemos aceitar toda esta polarização que vivemos, pelo que é fundamental dialogar, encontrar os necessários consensos e dar respostas políticas que sejam compreendidas por todos, sem demagogias nem populismos.
Até porque, desde logo, a resiliência só pode ser assegurada pela redução da nossa dependência.
Numa altura em que assistimos aos debates e se intensificam as campanhas para o Parlamento Europeu, todos estes temas são obrigatórios. Para que a União Europeia não seja destruída por dentro. O que aconteceu com o Brexit deve-nos obrigar a refletir seriamente.
As últimas sondagens (Eurobarómetro sobre Juventude e a Democracia), revelam que as percentagens mais elevadas de intenção de voto entre os jovens se registaram na Roménia (78 %) e em Portugal (77 %). No entanto, embora 38 % a nível europeu tenham indicado que o voto é a ação mais eficaz para fazer ouvir a sua voz, cerca de 19 % afirmaram não estar interessados na política e 13 % que não iriam votar.
Muito ainda haverá a fazer e há que não esquecer a aposta nos jovens agricultores, a fixação das populações no mundo rural, a emigração, as desigualdades…mas estas sondagens também nos revelam alguma esperança e fazem-nos acreditar, como europeísta convicto, que a Europa tem futuro.
Fazemos votos para que os candidatos ao Parlamento Europeu, em particular os cabeças de lista, promovam a literacia sobre o funcionamento das instituições europeias e discutam, com propostas concretas, todas estas temáticas.
Mais do que nunca, é tudo isto que está em jogo nas eleições de 9 de junho. Por isso, é obrigatório votar!
Engº Agrónomo